(De Janine Mello)
Existem mulheres que se calam. A elas é concedido o mundo do silêncio, das palavras que não são ouvidas. A elas é concedido o mundo daquelas que ouvem.Existem mulheres que acreditam que carregam em si o fardo da maternidade e do matrimônio. A elas é concedido um papel: lavar, passar, cozinhar para muitos sem que ninguém faça isso por elas. A elas é dado o ‘reino do lar’ e nunca roupas passadas em cima da cama.Existem mulheres que acreditam que o amor existe e que ele é feito de dor e sacrifícios. A elas é dado o papel da resignação e do perdão.Existem mulheres que acreditam que já foram ou podem ser rejeitadas. A elas é concedido o mundo das coisas, das propriedades, em que o valor só pode ser medido com base no uso, na troca e no desuso. A elas é negado o mundo real em que as pessoas se perdem umas das outras, sem que, necessariamente, se percam de si mesmas.Existem mulheres que acreditam que a maternidade está relacionada ao parto. A elas é permitido serem cegas. Cegas para todos os estéreis e para os órfãos que dormem sempre sozinhos.Existem mulheres que acreditam que relações afetivas podem acabar com o sentido da vida. A elas é negado o mundo em que a vida são muitos caminhos e nem todos eles acabam em vestidos de noiva. A elas é dado o mundo das vítimas que ficam sempre à mercê da vontade alheia.Existem mulheres que se casam e que acreditam que isso implica em cozinhar e cuidar dos outros. A elas é dado o mundo da servidão. A elas é negado o direito de criar novas instituições, instituições libertadoras baseadas na convivência entre as pessoas.Existem mulheres que acreditam que existe a mãe ideal. A elas é dado o mundo da opressão em que todas as mães são iguais: resignadas e benevolentes.Existem mulheres que acreditam no papel masculino de provedor. A elas é concedido o mundo da espera para que algo extraordinário mude sua condição.Existem mulheres que acreditam que existe ‘sorte no amor’. A elas é negado o mundo em que as pessoas escolhem com quem querem dividir a vida.Existem mulheres que acreditam que casamento foi feito para durar. A elas é concedido o mundo do aprisionamento.Existem mulheres que acreditam que podem ser sustentadas. A elas é dado o mundo das coadjuvantes e das aceitações sem fim. A elas é negado o direito de decidir.Existem mulheres que acreditam que beleza e 'amor' têm alguma relação. A elas é dado o mundo da velhice em que só existem os livros lidos e as conversas longas.Existem mulheres que acreditam que nasceram assim, que a elas não foi dado o direito de escolher, que elas não tiveram alternativas ou que sua força reside na feminilidade que o mundo cotidianamente lhe impõe.Existem mulheres que acreditam que tudo isso faz delas seres melhores, menos humanas, mais próximas de qq coisa fora desse mundo. Mas, então, por que é que muitas delas choram tanto?Existem mulheres. E a elas é dado o mundo das que têm o direito de ensinar outras mulheres a serem ‘mulheres’, a ensinar o que significa ‘ser mulher’, a elas é dado o direito de dizer qual o padrão, de dizer quem é exceção. A elas é dado o mundo da violência: física e simbólica. A elas é dado o mundo daquilo que é natural e, portanto inevitável. A elas é dado o mundo da invisibilidade e da mudez. Delas é o mundo da submissão.
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