Feijão com Filosofia

(Ana Miranda)

“Nunca fizeram uma pirâmide de alimentação também do espírito?
Pão Integral com Poesia... Verduras com Ensaio... Batatas com Meditação...”

Na minha infância e adolescência sempre ouvi que a boa alimentação era baseada em leite, ovos e carne. Eu não gostava de comer. Aturava só caldo de feijão ou arroz com manteiga ou pão com mel. Uma destas iguarias poderia ser a refeição de meu dia inteiro. Mas eu era obrigada a comer todas as manhãs um repugnante ovo quente, um copo de leite cheio de nata ainda mais repulsivo que o pão com manteiga, no qual eu jogava escondidinho açúcar ou mel. Semi-interna na escola eu era obrigada a comer tudo o que punham no meu prato. Fiquei amiga de uma menina gulosa, que sentava ao meu lado no refeitório e eu lhe passava minha comida, um alívio, mas o problema era que ela comia só o bife, as batatas, o arroz e o feijão... E as verduras ficavam pra mim.

Algumas eu suportava, mas outras... Jiló! Ah, que provação! Passei a esconder o jiló no avental, mas as freiras descobriram e verificavam meus bolsos. Eu o jogava, então, dentro do sapato e saía pisando na ponta dos pés, os olhos marejados. Tanto sofrimento valeu. Hoje eu como todos os legumes e verduras, crus, cozidos, verdes, vermelhos, amarelos... Com um verdadeiro prazer. Menos... Jiló. E nata! Pequena vingança subliminar...

Parece que foi durante a Guerra do Vietnã que nossas crenças alimentares ruíram. Nas autópsias feitas nos soldados, rapazes de pouco mais de 18 anos, nutridos com leite, ovos, carne e bacon no café da manhã, encontraram órgãos em situação deplorável. Muita gordura no coração, veias entupidas... No começo dos anos de 1990, surgiu a pirâmide alimentar, criada pelo Departamento de Agricultura Americano, com indicação para um alimentação pública mais saudável.

A base da pirâmide, ou seja, os alimentos que se deveria ingerir em maior quantidade, era composta de massas, pães e cereais; acima, vinham verduras, legumes e frutas, depois lacticínios, carnes em geral e ovos, no cume da pirâmide, sorvetes, bolachas, doces, gorduras e óleos. Eu tinha uma dessas pirâmides na porta da geladeira. Era magra. Mas os americanos ficaram cada vez mais obesos, hoje são um em cada três.

Estudiosos de Harvard publicaram, mais de uma década depois, nova perâmide alimentar. Há um rodapé referente a exercícios físicos e controle de peso, pães e massas foram para o topo e os óleos vegetais ocupam agora a base, há um bom espaço para pães e massas, mas pão integral, arroz integral, macarrão integral, acima estão os imabtíveis vegetais, menos as batatas, ou seja, o pior, logo acima, castanhas, amendoim, soja, feijão, ervilha, grão de bico, peixe, frango e carne de gado não são mais da mesma categoria, no derradeiro pavimento, encontramos um lugarzinho para manteiga, docesm macarrão e arroz refinados... iogurte, queijo... leite... nós, os mamíferos devemos tomar só um pouquinho de leite por dia... os ovos, que já foram sacrilégio, hoje são imprescindíveis... Nutricionistas contestam, ali, acolá... Mas esqueceram de incluir a água!

Para brasileiro, nada como um arroz com feijão! Mas... para o nordestino, nada como rapadura com farinha... Para o gaúcho, charque e mate... Aqui na prainha onde moro, a dieta é peixe, caju e cachaça... Nos escritórios e salas de visitas, é o cafezinho... Para todos, nada como o prazer do alimente... de vier... Debates... Assim o conhecimento vai se reformulando e se aperfeiçoando.

Um amigo sábio diz seguir a única recomendação natural dos onívoros humanos: a dieta da metade. Ele come metade do que comeria, depois a metade da metade, come de tudo, mas só um pouco. Importante é o amor a si mesmo, o cuidado com nosso corpo tão único... e com nossa mente... mens sana in copore sano... palavras de... palavras de ... ah, Deus preciso comer mais... qual é mesmo o nome do alimento para memória? De Juvenal... palavras de Juvenal... que significam, o homem sábio só pede aos céus uma mente saudável num corpo saudável... mas nunca fizeram uma pirâmide de alimentação do espírito? Pão integral com poesia... verduras com ensaio... batatas com meditação... feijão com filosofia...