Friday, March 07, 2008

15 minutos para ouvir meus pensamentos...

A rotina de quem lida com pessoas que precisam de ajuda não é nada fácil. Há quem diga que tenho a vida ganha, mas não tenho e nem ganho tanto assim. Meus dias podem estar cheios de conversas, mas não são assuntos simples. Deixe a morte e o sofrimento baterem nos seus ouvidos diariamente e experimente viver a minha vida profissional para saber como é.

Hoje precisei parar tudo e me dar 15 minutos para assentar as emoções. Esse é um termo que eu costumo usar, “_ Me dê 15 minutinhos, por favor!”. Daí eu me tranco na sala e deixo meus pensamentos em estado de ruminação. Desta vez o laptop está ligado na minha frente e vou ousar escrever um pouco e com o máximo de ética. Eu deveria ter ido almoçar. Pedi só um suco de açaí que estou tomando com o copo frio de café sob a mesa. Um outro paciente chegou meia hora antes, já tem gente na recepção me esperando. O que será que a próxima hora me reserva?

Atendi um homem de meia idade, quarenta e poucos anos, que se tornou um lesionando de medula depois de um erro médico. Se encontra no processo de luto por suas perdas e por pena de ter se tornado totalmente diferente do que era. Ele perguntava: “_ Dra. A Senhora sabe o que é se tornar uma pessoa inativa? Eu era bombeiro de
missão fim* e agora não posso controlar meu próprio corpo! A Senhora já viu algum bombeiro de bengala e sonda?” Ele ainda falou outras coisas mais difíceis de serem ditas as quais eu não acho que devo expor. Eu fiquei paralisada internamente, talvez mais que ele, mas fui treinada para não deixar minha emoção atuar durante as intervenções. Sem que ele pudesse perceber, também senti revolta pelo péssimo tratamento prestado, nem se quer foi admitida a falha profissional até o momento_ esta cidade está cheia de maus profissionais!

Quando ele saiu da sala, após tê-lo dado meus ouvidos, caí na armadilha do medo. A realidade é que isso pode acontecer a qualquer um, foi um acidente. E se isso acontecer comigo? E se isso acontecer a alguns dos meus familiares? Lembrei-me que do diagnóstico de câncer terminal em estado grave que me deparei há aproximadamente três meses. A sensação foi parecida, travei e não deixei transparecer! No mês seguinte a pessoa morreu. Num ato de humanidade fui visitar a família após o velório. Quem foi mesmo que disse que minha vida profissional é tranqüila e estável?

Escrevi estas palavras para me recompor. Vou ao banheiro, quero sentir um pouco de água fria em minhas mãos e ter certeza que não perdi minha sensibilidade ou a noção dos sentidos. A secretária já vai bater na porta avisando que está na hora, é melhor eu me apressar! A noite vou tentar deixar os problemas do consultório apenas para quando eu estiver trabalhando. Vou me ocupar com mais leituras sobre estes casos e outros assuntos. E quando eu me cansar virei aqui no meu blog postar besteiras e abobrinhas para eu rir um pouco de mim mesma e me distrair com questões que muitos julgam banais.




*Termo usado para bombeiros que trabalham em situações de emergência e socorro
Tinne Fonseca _ A Imperatriz

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