Tuesday, June 19, 2007

“Não te cases com um homem, casa-te com a verdade”.

A Terra

[...]
_ Pequena Otsu, neste momento você é a personificação da paz. Todo homem, seja ele quem for, poderia passar a vida num paraíso como este; no entanto, prefere chorar, prefere sofrer, prefere mergulhar num cadinho onde fervem as paixões, luxúria e falsidade, consumindo-se nos tormentos dos oito infernos. Quisera ao menos poupar vc de um destino semelhante, Otu-san.

Flores para O Santuário

Rosas silvestres, papoulas, violetas, crisântemos... Otsu lançava as flores ao cesto à medida que as colhia.
_ Não perca tempo pregando sermões, monge Takuan. Cuidado com as abelhas, podem picar o seu rosto outra vez! _ caçoou.
O monge ignorou-a:
_ Tolinha, não estou falando de abelhas; neste momento, discorro sobre o destino de uma certa jovem, segundo os ensinamentos de Buda.
_ O senhor é um intrometido, sabia?
_ Eis uma declaração acertada! Sem dúvida, nós, os Bonzos, somos muito intrometidos. No entanto, nossa profissão existe por ser tão necessária ao mundo quanto a dos carpinteiros, dos samurais, ou a dos comerciantes de arroz e tecido. É bem verdade que há três mil anos os ditos bonzos e a espécie feminina da humanidade não convivem em harmonia. De acordo com o Budismo, mulheres são a encarnação do diabo, seres demoníacos, mensageiros do inferno. Deve ser por isso que vivemos brigando, eu e você. O Karma é antigo.
_ Por que as mulheres são consideradas demoníacas?
_ Porque enganam os homens.
_ E os homens não enganam as mulheres?
_ Espera aí, essa é um pouco difícil de responder... Ah, já sei!
_ Vamos, responda!
_ Buda era homem!
_ Muito conveniente para os homens, você não acha?
_ Contudo, presta atenção ó mulher: não melindres...
_ Ah... Chega, monge!
_ ... Pois se, em sua juventude, Buda desaprovou as mulheres por ter sido atormentado, à sombra de uma fogueira, por tentações que assumiram formas femininas, em sua velhice chegou até a admitir discípulos do sexo feminino. O bodisatva Ryuju foi outro que detestou, digo, temeu as mulheres tanto quanto o próprio Buda, mas posteriormente tornou-se grande amigo de quatro virtuosas mulheres, que considerou esposas exemplares. Exaltou-lhes as virtudes, dizendo aos homens que as tivessem como modelos quando fossem escolher suas mulheres.
_ Está vendo? Como tudo o mais, é muito conveniente para os homens.
_ É inevitável, pois na velha Índia, berço do Budismo, a supremacia dos homens sobre as mulheres era ainda mais acentuada que em nosso país. Voltando ao nosso Bodisatva Ryuju, ele dirigiu as mulheres um conselho.
_ Que tipo de conselho?
_ Disse: Mulher não te cases com um homem...
_ Conselho mais esuisito!
_ Não brinque, escute até o fim. Ele disse: “não te cases com um homem, casa-te com a verdade”.
_ ...
_ Compreendeu? Em outras palavras, quer dizer: não se apaixone por um homem, mas sim por algo verdadeiro.
_ E o que quer dizer “apaixonar-se por algo verdadeiro”?
_ Para ser franco, parece que nem eu sei direito.
Otsu riu, mas o monge continuou:
_ Bem, trocando em miúdos, quer dizer: case-se com o que é verdadeiro. Isso significa que você não deve correr atrás de ilusões para que não lhe aconteça da acabar carregando no ventre o fruto de uma relação enganosa com algum desconhecido da cidade grande [...], merecedor do confiança, [...].
_ Pare com isso! _ disse Otsu fingindo bater no monge e acrescentando: Não disse que ia me ajudar a colheres flores?
_ Creio ter afirmado algo parecido.
_ Então não fique aí parado falando o tempo todo, e segure o cesto para mim.
_ Com todo o prazer.
[...]

Musashi; Eiji Yoshikawa Vol.I

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