Os conceitos de depressão e mania existem há séculos e Hipócrates já havia descrito pacientes com melancolia, atribuindo-lhe causa biológica. Entretanto, somente a partir do século passado ficou claro que depressão e mania representavam dois estágios de uma mesma doença.
Apesar da doença maníaco-depressiva ser conhecida há muitos anos, a falta de um tratamento eficaz facilitava a confusão do diagnóstico com esquizofrenia e geralmente levava à internação. O surgimento de tranquilizantes potentes e de sais de lítio trouxe novo alento. Pacientes que tinham acesso ao tratamento preventivo com lítio geralmente deixavam de ser reinternados.
Existe uma alteração do humor, da energia (ânimo) e do jeito de sentir, pensar e se comportar. Acontecem como crises únicas ou cíclicas, oscilando ao longo da vida. Podem ser episódios de depressão ou de mania. Na depressão a pessoa sente tristeza exagerada e desânimo e na mania um aumento da energia e euforia anormal. A maioria dos pacientes sofre apenas de depressão(ões) e alguns também têm manias. O termo mania não significa "mania de fazer alguma coisa" ou algum tique - é simplesmente o nome que o médico dá para a fase de euforia da doença maníaco-depressiva. Às vezes surgem sintomas depressivos e maníacos simultaneamente, os chamados estados mistos.Os sintomas de euforia e depressão podem variar de um paciente a outro e no mesmo paciente ao longo do tempo, muitas vezes confundindo a ele e seus familiares.
Na depressão a pessoa fica com o humor para baixo, sente-se triste, apática, angustiada, ansiosa. Cai o nível de energia, aparece desânimo, dificuldade em sentir prazer na vida como antes, inclusive sexual. Ocorre uma lentificação psíquica e física, paradoxalmente associada a desassossego quando a ansiedade for intensa. Fica difícil se concentrar, a memória falha, o raciocínio não flui mais. A mente é invadida por um onda de pessimismo, de idéias e preocupações negativas. Surgem sentimentos de culpa, insegurança, medo, inutilidade, solidão, burrice, inadequação, fracasso, baixa auto-estima, falta de sentido. Tudo é avaliado dentro de uma visão negativa distorcida: passado, presente e futuro. Podem aparecer pensamentos de morte e alucinações. Ocorrem alterações de apetite e/ou peso. O tempo de sono pode aumentar ou diminuir, mas o sono deixa de ser reparador. Freqüentemente há queixas de dores e mal-estar físico, resultando em várias visitas médicas sem sucesso, antes de se diagnosticar depressão.
- Humor para baixo, tristeza, angústia ou sensação de vazio;- Irritabilidade; desespero;- Pouca ou nenhuma capacidade de sentir prazer e alegria na vida;- Cansaço mais fácil, desânimo ou preguiça; falta de energia física e mental;- Falta de concentração; lentidão do raciocínio; memória ruim; - Falta de vontade; falta de iniciativa e interesse; apatia;- Pensamentos negativos repetidos amplificados; pessimismo: idéias de culpa, fracasso, inutilidade, falta de sentido na vida, doença, morte (suicídio);- Sentimentos de insegurança, baixa autoestima, medo;- Interpretação distorcida e negativa do presente, de fatos ocorridos no passado e do futuro;- Redução da libido e vontade de ter sexo;- Perda ou aumento de apetite e/ou peso;- Insônia ou dormir demais, sem se sentir repousado;- Dores ou sintomas físicos difusos, sofridos, que não se explicam por outras doenças: dor de cabeça, nas costas, no pescoço e ombros, sintomas gastrointestinais, alterações menstruais, queda de cabelo, entre outros. - Em depressões graves alucinações e/ou delírios. Para fazer o diagnóstico bastam sintomas dos três primeiros itens e pelo menos dois dos demais. O deprimido percebe a diferença entre uma tristeza normal, que já sentiu antes, da tristeza da depressão, que significa sofrimento constante, que passa, mas retorna sem aviso prévio. O deprimido aumenta as suas dificuldades, tem uma sensação de incapacidade e não consegue mais solucionar seus problemas - ou vê problemas onde não existem. O deprimido complica sua vida, torna-se muito sensível a tudo e percebe "patinar" em coisas anteriormente fáceis de resolver. Se sair de férias para descansar, leva a depressão junto.
O termo mania significa um estado mental alterado em que a pessoa se sente eufórica, acelerada e/ou muito irritada, "pavio curto", podendo tornar-se agressiva verbal e fisicamente. Ocorre agitação ou inquietação, aumento da energia e redução da necessidade de sono. Os pensamentos se aceleram, aumenta a quantidade de idéias, a pessoa não consegue falar tudo que vem à mente ao mesmo tempo. Não consegue manter a atenção num único tema, começa a fazer muitas coisas ao mesmo tempo e não consegue terminar, tudo se torna importante. Tudo precisa acontecer imediatamente, há brigas e discussões. Os sentimentos podem ser de alegria exagerada e grande euforia ou mesmo de agitação incômoda e sofrida. Surgem autoconfiança e otimismo extremos, sensações de poder, influência, capacidade, inteligência, riqueza. Ela pode ter alucinações e achar-se imbuída de poderes ou dons especiais. Súbitos sentimentos de depressão podem vir e logo desaparecer. Muitos planos vêm à mente, ocorrem gastos excessivos, endividamentos, negócios irresponsáveis ou precipitados. Aumenta o contato social, a pessoa fica desinibida, deixa de se comportar de acordo com seu padrão. Na esfera sexual aumenta a libido, a desinibição, o erotismo. Em geral falta autocrítica, porque a pessoa sequer percebe as mudanças ou não as vê como algo ruim ou incompreensível.
- Humor para cima, exaltação, alegria exagerada e duradoura; irritabilidade (impaciência,"pavio curto").- Agitação, inquietação física e mental;- Aumento da energia, da produtividade ou começar muitas coisas e não conseguir terminar;- Pensamentos acelerados; tagarelice; - Achar que possui dons ou poderes especiais de influência, grandeza, poder;- Otimismo e autoconfiança exagerados; - Aumento dos gastos; endividamentos;- Distração fácil; tudo desvia a atenção;- Maior contato social e desinibição; comportamento inadequado e provocativo; agressividade física e/ou verbal;- Erotização; aumento da atividade e necessidade sexual;- Insônia; redução da necessidade de sono;- Quando grave ocorrem delírios e/ou alucinações;
Existe a possibilidade dos sintomas melhorarem sem qualquer tratamento após semanas, meses ou anos. Mesmo antes de haver medicamentos eficazes, sabia-se que o paciente podia ter apenas um episódio de depressão na vida, com anos de remissão, antes de se reiniciarem os sintomas, ou apresentar episódios anuais ou intervalos de tempo cada vez menores alternados com períodos de doença cada vez maiores ao longo do tempo. É importante saber que com tratamento o estado maníaco ou depressivo passa mais rápido, sem deixar seqüelas.Pessoas que sofrem de transtorno bipolar levam em média 8 anos antes de serem diagnosticadas e/ou receberem tratamento adequado. Neste período e antes que seja totalmente controlado os pacientes tiveram sofrimento físico e psíquico imensurável e podem ter acumulado perdas irreversíveis nos relacionamentos afetivos, nos estudos e no trabalho. Isto significa separações, repetência, incapacidade de adquirir uma profissão, perda do emprego, invalidez precoce ou mesmo morte. Na depressão tudo se torna difícil e custoso: estudar, trabalhar, conviver com as pessoas. Comprometem-se relacionamentos afetivos, na família, com o cônjuge, ou com colegas e amigos. Para atenuar o sofrimento, muitos se tornam usuários de tranqüilizantes, álcool ou drogas. Além das perdas já mencionadas, a pessoa pode correr risco de vida por negligenciar cuidados com a saúde ou por suicídio.Durante a mania a pessoa se sente ótima e não consegue avaliar as conseqüências da irritabilidade, desinibição e sociabilidade na esfera pessoal. Atitudes tomadas durante a (hipo)mania podem resultar em rompimentos conjugais, com familiares e amigos ou em ruína financeira e endividamentos. Há risco de adultério, de gravidez indesejada, de contrair doenças sexualmente transmissíveis. Os pacientes podem perder o emprego, arruinar sua reputação, passar a abusar de álcool e/ou drogas. A combinação com o álcool é desastrosa, pelo risco de acidentes, violência e problemas com a polícia.
Na orientação acerca da doença também deve ser abordado o preconceito. Resolver dúvidas ajuda a diminuí-lo, mas só o tempo poderá eliminá-lo de vez. Infelizmente pacientes e famílias sofrem durante anos acumulando ressentimentos, queda do poder aquisitivo, atraso na formação, antes da aceitação do diagnóstico e do tratamento.Outra questão a ser aprendida é como lidar com uma nova crise. Cuidar da decepção, da frustração, da desesperança e além disso prevenir conseqüências prejudiciais são fundamentais na recuperação.
É importante lembrar que mesmo a curto prazo, o efeito dos medicamentos na depressão, na (hipo)mania ou no estado misto leva pelo menos duas a quatro semanas para ser significativo. A melhora completa pode levar alguns meses e depois disso é necessário manter as medicações usadas na fase aguda da doença por mais algumas semanas ou meses, dependendo da gravidade. Depois de melhorar por completo, não apenas parcialmente, o paciente segue para a fase de manutenção.
O tratamento medicamentoso é básico, mas o transtorno bipolar não é meramente um problema bioquímico, também psicológico e social. Entrar em contato com os sintomas do transtorno bipolar causa sofrimento e pode ser traumatizante para o paciente e a família. O medo de como isso vai afetar sua vida, o preconceito, a aceitação do diagnóstico requerem atenção psicológica. Para aceitar é necessário conhecer a doença a ponto de diferenciar seus pensamentos e sentimentos e fazer decisões baseado em conhecimento e não em emoções, como medo ou raiva da doença. Tratamentos psicológicos procuram fornecer boas informações, orientação e motivação em um ambiente de apoio e confidencial.
Durante o curso do tratamento o paciente costuma enfrentar recorrências, pois o manejo medicamentoso pode demorar até ser acertado. Tais experiências trazem desapontamento, dúvidas sobre o tratamento, sentimentos de culpa e de revolta. Na psicoterapia e na orientação sobre a doença é possível encontrar esclarecimento e apoio necessários para superar cada novo obstáculo que a doença impõe.
- se os medicamentos estiverem causando efeitos colaterais muito incômodos e o paciente mencionar que quer parar com tudo isso, o médico deve ser informado;- detectar com o paciente os primeiros sinais de uma recaída; se ele considerar como intromissão, afirmar que é seu papel auxiliá-lo;- falar com o médico em caso de suspeita de idéias de suicídio e desesperança;- compartilhar com outros membros da família o cuidado com o paciente;- estabelecer algumas regras de proteção durante fases de normalidade do humor, como retenção de cheques e cartões de crédito em fase de mania; auxiliar a manter boa higiene de sono; programar atividades antecipadamente.- mesmo depois da melhora, há um período de adaptação e desapontamento; é importante não exigir demais e não superproteger; auxiliá-lo a fazer algumas coisas, quando necessário;- evitar chamar o paciente de louco ou demonstrar outros sinais de preconceito, que favorecem o abandono do tratamento; tratá-lo normalmente e apontar sintomas com carinho;- aproveitar períodos de equilíbrio para diferenciar depressão e euforia de sentimentos normais de tristeza e alegria.
A pessoa mais interessada no próprio bem-estar é quem está doente. O paciente com transtorno bipolar do humor tem uma doença que costuma durar a vida toda, que se mantém sob controle com tratamento adequado. Cabe a ele o esforço de manter o tratamento: é ele quem toma os medicamentos - ou não. Ninguém pode forçá-lo, a não ser em situações que ponham em risco a sua segurança ou a de outros. Portanto, se você é portador do transtorno bipolar:- comprometa-se com o tratamento - discuta dúvidas com seu médico, eficácia dos estabilizadores do humor, intolerância a efeitos colaterais, etc.;- mantenha uma rotina de sono; mudanças no sono ou redução do tempo total de sono podem desestabilizar a doença; converse com seu médico, caso precise mudar o hábito de dormir;- evite álcool e drogas; além de interagirem com algumas medicações, também agem no cérebro, aumentando o risco de desestabilização da doença; se tiver insônia ou inquietação, não se automedique - converse com seu médico;- evite outras substâncias que possam causar oscilações no seu humor, como café em excesso, drinques, antigripais, antialérgicos ou analgésicos - eles podem ser o estopim de novo episódio da doença;- enfrente os sintomas sem preconceito - discuta com seu médico sobre ele;- se não estiver podendo trabalhar, "não queime o filme" - é mais sensato tirar uma licença, conversar com a família ou com o patrão, e se permitir convalescer;- lembre-se: você está bem por tomar a medicação; se parar de tomá-la, mesmo após 5 ou 10 anos, os sintomas podem voltar sem prévio aviso; é preciso manter-se alerta para o aparecimento dos primeiros sinais, como insônia e irritabilidade;- há indícios de que quanto mais crises da doença a pessoa tiver, mais ela continuará tendo, por isso, procure participar ativamente do tratamento;- descubra seus sintomas iniciais de nova crise depressiva ou maníaca - tome nota e avise imediatamente seu médico;- aproveite períodos de bem-estar para redescobrir como você de fato é; como são os sentimentos de tristeza, alegria, disposição e como você lida com seus problemas;- quanto mais você conhecer a doença, melhor você poderá controlar os sintomas no período inicial; proteja-se: evite estímulos de risco em potencial, como decisões importantes, relações sexuais sem preservativos, projetos ambiciosos, gastos - ponha seus planos no papel e espere para executá-los quando se reequilibrar; procure canalizar hiperatividade ou idéias negativas para atividade física ou manual; se estiver deprimido, dê-se um empurrão, pois a iniciativa está em baixa;- procure e aceite ajuda da família e dos amigos quando perceber que não consegue se cuidar sozinho.- é comum querer parar o tratamento, ou porque vai tudo bem, ou porque não está dando certo; procure conversar com outras pessoas com o mesmo problema, que já passaram por isso; lembre-se de como era seu sofrimento; discuta com a família se valeria a pena buscar uma segunda opinião sobre o diagnóstico e o tratamento. Temporariamente o paciente pode ficar inapto a se tratar adequadamente. Nestas fases a intervenção amiga da família é fundamental.
Tinne, 23 de junho de 2005
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