Wednesday, June 25, 2008

Perdendo para a Doença

Abro a porta do consultório após o penúltimo atendimento do dia desejando melhoras para aquele que se retirava na esperança de alcançar a saúde. Logo me deparo com uma mocinha que esteve lá há poucas horas e me espanto ao vê-la cabisbaixa. “_ Doutora, podemos conversar!” Dirigiu-me a palavra uma mulher que me parecia desconhecida sala de espera. E ao mesmo tempo a secretária “_ Por favor, uma palavrinha.” Sorri para a moça e a mulher. Pedi para que aguardassem enquanto eu me dirigia a recepção. “É uma emergência, não entre na sua sala sem antes saber o que está acontecendo, a situação é grave... A chefe da clínica precisa falar com a senhora, e pediu para eu lhe dizer para não trancar a porta.” Logo percebi o clima pesado, ao seguir os passos da secretária. “_ Doutora, por aqui.” No corredor eu e a chefe com uma cara de que algo estaria prestes a acontecer. “_ Não entre sozinha, estaremos juntas. Não há nada o que se possa fazer. Chegamos ao nosso limite. Não podemos prosseguir com a intervenção clínica. Mantenha a calma.” Dizia a chefe como se quisesse cuidar de mim. É uma profissional mais experiente, bem mais velha e aparentemente muito mais nervosa que de costume. Respirei fundo quando compreendi o perigo em frações de segundos. “_ Um café!” Preciso de um café para me acalmar por dois ou três minutos até encarar o mostro a minha espera. Em menos de cinco minutos o quadro estava claro e as ordens definidas pela doutora chefe. “_ Agora vamos entrar lá!” Disse ela tocando discretamente as minhas mãos que estavam frias. Quatro lugares, a mesa e o clima sombrio. Olhos nos olhos. Corpos que se comunicavam sem usar uma só palavra. Veio então “o surto”, a crise manifestada. Eu juntei minhas mãos e fiz uma oração. Eu queria me expressar, queria poder mudar o rumo das coisas se o tempo pudesse voltar atrás... Não tinha mais jeito, provavelmente à falta de jeito me trouxera até este ponto. A doença instalada era agressiva, eu a contive minha direção. Um outro lado mais fraco recebeu a carga, embora fingisse ser firme enquanto minha presença demonstrava proteção e atitude. Foi quando a chefe disse que não poderíamos continuar. Ela me fez elogios dizendo em bom tom que eu era uma excelente profissional e que sabia que eu havia feito um bom trabalho. Era a hora de eu me retirar, eu deveria romper o vínculo com aquela dica. Tensa, mas sabendo obedecer aos comandos sem vacilar, o fiz. Veio o desespero da sensação de perda, a paciente chorou a despedida. E também veio uma lágrima minha escondida do canto esquerdo do rosto. Era a força da doença que devastava os laços, arrasava a vida e os planos futuros. Por que tanta impotência? Eu não aceito perder assim, mas não tive escolha. Foi uma decisão profissional. Segundo as regras, foi a melhor coisa a ser feita. Retiraram-se da sala a chefe emocionada e a dona da culpa, esta satisfeita e aliviada. Por que a doença deve sentir este alívio? Não é justo! Ficaram a ferida exposta e a minha ferida escondida. Ficamos frente a frente. Eu fiz a minha despedida dizendo que não queria que tivesse sido desta forma e que mesmo tomada por uma sensação ruim e indescritível eu tinha a certeza de ter agido certo e feito o meu melhor. Minhas mãos suadas perceberam um abraço e um agradecimento daquela que foi a mais prejudicada no procedimento. A triste voz dela ainda fica ecoando em minha cabeça, “_ Eu sei que você sempre me ajudou, obrigada!”. Na sala de espera o próximo me aguardava. Fui ao banheiro, bebi um copo com água. Fixei meus olhos na parede azul... E voltei a atender. Ao sair da clínica não quis falar com ninguém, apenas precisava sair dali. Fiz do volante do carro o meu amigo para o desabafo. Levei três vezes mais o tempo de chegar até minha casa... No dia seguinte acordei desanimada para o trabalho. Me questionei se tanto estudo realmente teria valido a pena. Seria eu capaz de oferecer uma ajuda eficiente? Seria esta tal ciência tão indispensável? Levantei-me, e antes do primeiro gole de leite meu telefone já estava a tocar. Um... Dois... Três telefonemas, todos recebidos antes mesmo de eu sair de casa. Ainda há alguns loucos por aí que acreditam que eu sirvo para eles. Digo a minha mãe: “_ Olha, não vou ter tempo de almoçar em casa e só deixo o consultório às vinte horas...”. E ouço-a gritando, “_ Vou colocar umas frutas num potinho pra você levar. Vê se não fica sem comer! E nem fique comendo besteira na rua... Você precisa cuidar melhor da sua alimentação. Precisa cuidar da sua saúde também!”. Isso faz parte do papel da maternidade que ela exerce, e eu deixo, pior se não houvesse de ser assim. E a vida continua exigindo sua manutenção, não há como parar e é preciso seguir em frente. Então, sigo para mais um dia que me exigirá paciência, sensibilidade, bom humor, perspicácia, raciocínio rápido, conhecimento teórico, habilidade prática, boa memória, ética, regras, desejos, conflitos, intervenções, enfrentamentos e resoluções. E, principalmente, a crença de que vou conseguir lutar para que a doença não vença!
Tinne Fonseca
_ A Imperatriz

2 comments:

Miya said...

incrível...um dia após o outro... sempre

R.T.M. said...

Cada dia e uma batalha mulher, tem dias de vitoria e dias de derrota, o importante e saber aprender com as derrotas e vibrar com cada pequena vitoria, pois sao elas no comeco de cada dia que nos fazem levantar e continuar. um beijao meu e do serginho. To no terreiro agora em julho mas volto em agosto. qualquer coisa, precisando me liga ta. R.