Friday, July 13, 2007

O Portal

O VenTo

_ Joutaro! Não fique nervoso e me escute até o fim, com calma. Tem que saber que em muito breve, estarei em situação de vida ou morte.
_ Mas você vive dizendo que um samurai tem de acordar a cada manhã preparado para morrer antes do final deste dia! Isso não deve ser nenhuma novidade para você!
_ É verdade! São palavras que digo a todo instante, mas como soam como uma nova lição quando você as diz. Esta vez, porém, é diferente de todas as outras... Tenho de estar preparado para enfrentar o duelo... É por isso que não devo me encontrar com Otsu-san
_ Mas por quê? Por que, mestre?
_ Mesmo que eu lhe dissesse o porquê você não entenderia. Um dia quando você crescer compreenderá. [...] Não diga isso a Otsu-san, ouviu bem? Se ela está doente, diga-lhe que Musashi pediu para sarar logo, escolher um rumo na vida e ser feliz... Entendeu, Joutaro? Diga-lhe que foi o que eu disse antes de partir, mas não conte o resto. [...]
_ Mas, mestre... _choramingou_ Assim é demais! Tenha pena de Otsu-san! Tenho certeza de que se eu contar o que aconteceu hoje, ela vai piorar! Tenho certeza!
_ Então dia a ela: não adianta nos encontrarmos agora, quando eu ainda estou aprendendo a ser um guerreiro, isso apenas nos tornará infelizes. Quando vencemos as adversidades ou buscamos suporta-las com estoicismo, quando nos lançamos voluntariamente num vale cheio de dificuldades, só então o aprendizado se torna significativo. E agora, Joutaro: não se esqueça que terá também de percorrer esse caminho para se tornar um guerreiro completo. [...] Um guerreiro nunca sabe quando vai morrer, isso é parte do seu cotidiano. Depois que eu me for deste mundo, procure um bom mestre, entendeu Joutaro? Quanto a Otsu-san... Futuramente, quando ela tiver encontrado a felicidade, há de compreender por que não a procuro agora... Ela deve estar se sentindo muito solitária sem você. Entre, volte para perto dela e trate de dormir também, Joutaro.
Embora fosse às vezes obstinado, Joutaro pareceu compreender pelo menos parte dos dilemas de Musashi. Provava-o a sua atitude: de costas, ressentido soluçava em silêncio. O ressentimento e o soluço vinham da incapacidade de resolver o problema. O pequeno coração se confrangia de pena de Otsu e de saber que era inútil insistir com Musashi.
_ Neste caso _ disse o menino, voltando o rosto em lágrimas com uma ponta de conformismo, quando você terminar seu aprendizado... Nesse dia você virá encontrar-se com a Otsu-san, mestre? Quando enfim chegar o dia em que você considerar concluído o seu aprendizado?
_ É o que mais desejarei quando este dia chegar.
_ E quando será este dia?
_ Como posso saber?
_ Daqui a dois anos?
_ ...
_ Três anos?
_ Ando por um caminho sem fim.
_ Isso quer dizer que pretende nunca mais se encontrar com Otsu-san?
_ Se eu realmente tenho talento, pode ser que um dia obtenha sucesso. Mas posso não o ter, e neste caso talvez chegue ao fim da vida como um simplório inútil. [...] Como pode um homem nesta situação prometer alguma coisa a uma jovem na flor da idade, que tem o futuro inteiro pela frente?
Joutaro pareceu não compreender direito as explicações quase involuntárias de Musashi, e voltou-se com ar vivo:
_ Mas mestre, você não precisa prometer nada a ela, basta apenas que a veja!
Quanto mais Musashi se explicava, mais se sentia incoerente e confuso, e sofria com isso.
_ Não é tão fácil assim, Joutaro. Otsu-san é uma mulher e eu sou um homem. Sinto-me constrangido em ter de confessá-lo, mas se me encontrar com ela, sei que serei vencido por suas lágrimas, que elas quebrarão minha firme decisão. [...]

Agora, porém, à medida que a antiga selvageria começava a ser educada, o jovem Musashi começava a perceber certa dose de fraqueza em sim mesmo.
Compreender o valor da vida já fora suficiente para ensinar-lhe o medo. [...] Com relação as mulheres, especificamente, Musashi havia percebido através de Yoshino como elas poderiam ser atraentes e, ao mesmo tempo, quantas paixões diferentes despertavam dentro dele. Neste momento Musashi não temia esses objetos tentadores propriamente ditos, mas o próprio coração. E se o objeto tentador era Otsu, ele já não tinha certeza de mais nada. Por outro lado, era impossível pensar nela como um simples passatempo, desconsiderando seu futuro.


(Musashi; Eiji Yoshikawa – Vol.I)

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