Wednesday, November 29, 2006

EDUCAÇÃO AFETIVA (Paulo Lemos)


Afeto

Todos poderiam reconhecer perfeitamente que, a não ser por uma catástrofe, teríamos condição de encontrar uma ou mais pessoas com quem formaríamos laços tão bons, ou até melhores, ao longo da vida. Ou seja, não há nenhum motivo pelo qual possamos crer que exista uma, e só uma, pessoa no mundo para nos amar e a quem amaremos.
Não é, pois, de lógica que estamos falando, mas sim de uma sensação de perda que não vem somente dessa situação específica do relacionamento. Esta sensação de pura dor porque alguém vai nos abandonar não tem um local definido no corpo. Está escrita na nossa memória como algo ruim e doloroso, amedrontador e profundamente ameaçador.
Se uma pessoa estiver saudável, toda vez que ocorrer uma perda ela sofrerá, sem dúvida, mas sem colocar em risco o próprio bem estar geral e o das pessoas que a cercam. O sofrimento faz parte do compromisso de vivermos em grupo e assumirmos a responsabilidade de não satisfazer todos os nossos desejos em detrimento dos outros. No entanto se o sofrimento chegar ao ponto de causar um profundo desequilíbrio, então já estamos precisando de ajuda para aprendermos a conviver com a frustração. Há um erro terrível, levianamente aceito, de que a pessoa que sofra muito pela perda do outro deverá até ser perdoada pelos desatinos que cometer.



Convivência e Frustração

Algumas pessoas têm o limiar baixo para suportar a frustração, vive um estado perpétuo de sofrimento. O menor erro, o deslize mais insignificante, um simples e sonoro “não” transforma-se numa tortura. Exige vingança ou separação. É na verdade a conseqüência do processo da formação de expectativas, que deturpa a realidade em favor da imagem própria mais valorizada, acha inconcebível receber não obter do mundo a satisfação de que se julga merecedora.
O mundo e as pessoas não atenderão todas as nossas necessidades. Por mais terrível que seja constatar isso, não há escolha. Nem mesmo alguém que nos ame, admire e tenha o maior desprendimento poderá nos dar tudo.

Sunday, November 26, 2006

Delivery

Friday, November 24, 2006

A Necessidade da Sedução

Todos os esforços de outra pessoa estão dirigidos para que você se encane, se dê a ela de bom grado, prazerosamente. Ela até pode sofrer para agradá-lo, mas obtem também um enorme prazer em detectar que você está sentindo prazer.
O sedutor consegue por certos meios que o seduzido se altere e veja o mundo e a ele próprio, o sedutor, de uma maneira diferenciada. Sempre de acordo com os desejos do sedutor, como se o desejo de um se instalasse no outro de tal modo que este único ficasse totalmente persuadido de que o desejo original era seu.
Mas a sedução não é apenas persuasão, estado de convencimento. Sedução exige tambem rendição inconciente. O seduzido pode não ver nada mais que o seu sedutor, não caminhar por seus próprios pés, mas deve vestir os passos do outro e viver a ilusão de se conter nele integralemnte.
O sedutor é um hábil vendedor que quimeras que sabe da avidez do comprador. Ele sabe de tudo, o menor dos gestos deve figurar como único criado naquele momento para aquela pessoa. O sedutor descobre os segredos do outro por um ato de pura magia. A lógica formal não funciona para uma relação cujo processo de encantamento esteja em seu apogeu.
Nada fará sentido senão aquilo que provém do sedutor, não porque o sedutor seja dono do mundo, mas porue é dono e senhor dos desejos do seduzido, porque este se deu ao sedutor. Podemos dizer que a única ameaça contundente ao seduzido é somente a extinção daquele que o seduz. Nada mais. Pois quem está mergulhado no brilho do outro nada vê, nada ouve, está embriagado de luz.
O seduzido, por seu lado, vai construindo um "mundo dourado" onde ele e o seu sedutor habitam e habitarão para sempre. Aqui surge a fantasia de um bem eterno ou prazer que nunca deverá acabar e, por extensão, a idéia de amor eterno.
O sedutor habilidoso consegue instalar no outro um desejo até com um simples olhar ou exposição do seu corpo aos olhos do outro, além da persistência em dose suficiente para que uma dada pessoa, em uma dada circunstância e ambiente, se permita entregar-se voluntariamente.
O corpo e seus movimentos coordenados saõ de suprema importancia para o mecanismo de "transeferência da intensão", processo comunicativo por sinais que declaram afeto para que a outra pessoa atribuir-lhes significado segundo suas necessidades.
O bom sedutor é aquele que sabe ler a necessidade do outro, e mais, sabe comunicar-lhe uma intensão de satisfazer a esta necessidade. Há promessa implícita no ato de sedução.
Cumprida a primeira fase do processo de sedução o sedutor se afasta muito depressa, como se não pudesse continuar aquela relação, uma vez que a imagem que o outro faz dele é por demais incompatível com a que ele tem de si mesmo. E ele sabe que um dia será seduzido também.


(Paulo Lemos, Educação Afetiva)

SIMPLESMENTE NOITE

SIMPLESMENTE NOITE

Teu sorriso: o convite ávido
À minha mudança de hábito.
Quem sabe não seria teu ar moderno
Que degelou minha sede no inverno.

Minha agonia para te ter era pálida,
Em qualquer direção tua imagem
me confundia o horizonte:
Uma miragem!
Minha volúpia ansiava cálida
Para deliciar o teu néctar na fonte.

A lembrança queima qual fogo,
Todo o meu corpo e desejos envolve,
Se na multidão vir o teu rosto
A paixão à razão me devolve.

Então verei com meus próprios olhos
Que a noite não foi delírio,
Tampouco cegueira em meus sonhos.
Simplesmente noite ao teu lado
foi a expressão do meu arbítrio.
Marco (para Tinne)

Sunday, November 19, 2006

The Empress

Esta é a dor que nenhum apaixonado suporta...A paixão se reduz a saber que o rosto da pessoa amada, presente, apenas sugere o obscuro objeto do desejo, ausente. A pessoa amada é metáfora de uma outra coisa... O amor começa no momento em que uma mulher se inscreve com uma palavra em nossa memória poética.Temos agora a chave para compreeender as razões do amor: o amor nasce, vive e morre pelo poder _ delicado _ da imagem poética que o amante pensou ver no rosto da amada...(Ruben Alvez)

Monday, November 13, 2006

Tabacaria - Fernando Pessoa

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!Gênio?
Neste momento Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da
Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeiraTalvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira.
Vou à janela.O homem saiu da Tabacaria
(metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.


Álvaro de Campos, 15-1-1928

My power had been sleeping deeply...


My power had been sleeping deeply until I met him. Unfortunately, this fantastic creature has still been keeping lost somewhere. But I’m finding my own essence again because of him. Now I can recognize my pain... It's not been caused by him, but It means that myself is able to see through a mirror all my imperfections!!!

Tinne Fonseca _ A Imperatriz

Nov/06

Dor que corrói

Por que as pessoas sofrem por causa do amor? O autor explicava que o sofrimento está na expectativa que o que diz que ama lança para as atitudes daquele que considera "amorável", passivo de suprir as necessidades e carências expostas como feridas. O pobre "passivo"_ que nada tem de passividade enquanto se relaciona, é receptor de cobranças e nem se percebe do buraco que está entrando... Uma simples ação tem amplitude suficiente para a criação de uma arma química: Gastrite!
Tinne Fonseca _ A Imperatriz
novembro, 2006

O Encontro de Duas Feras

Alavanca,
atira pro alto com toda força e remexe com tudo o que há de mais baixo.
Provoca um furação, mas uma hora a ventania para e o vento acalma.
Não será mais útil e providencial, nem terá contrato e nem fato.

Calma, muita calma minha alma...
Tudo pode não passar de muito barulho apenas, que pena!

Tinne Fonseca _ A Imperatriz

Nov/06



E foi então que apareceu a raposa:

- Bom dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu polidamente o principezinho que se voltou, mas não viu nada.
- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira…
- Quem és tu? Perguntou o principezinho. Tu és bem bonita.
- Sou uma raposa, disse a raposa.
- Vem brincar comigo, propôs o príncipe, estou tão triste.
- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.
- Ah! Desculpa, disse o principezinho.
Após uma reflexão, acrescentou:
- O que quer dizer “cativar”?
- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?
- Procuro amigos, disse. Que quer dizer cativar?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa “criar laços…”
- Criar laços?
- Exatamente, disse a raposa.
- Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo…
Mas a raposa voltou à sua idéia:
- Minha vida é monótona. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o barulho de passos que serão diferentes dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora como música. E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então será maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo…
A raposa então se calou e considerou muito tempo o príncipe:
- Por favor, cativa-me! Disse ela.
- Bem quisera disse o príncipe, mas eu não tenho tempo. Tenho amigos a descobrir e mundos a conhecer.
- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. O homem não tem tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres uma amiga cativa-me! Os homens esqueceram a verdade, disse a raposa.
E continuou:
- Mas tu não deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.”
Antoine de Saint-Exupèry - Do livro “O Pequeno Príncipe”

Tuesday, November 07, 2006

A dor e o Sofrimento

(Carlos Drummond de Andrade)

Definitivo como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não foram cumpriram.
Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.
Sofremos por quê?
Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter ido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado.
Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.
Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.
Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.
Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.
Como avaliar a dor do que não foi vivido?
A resposta é simples como um verso: Se iludindo menos e vivendo mais!

A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável. O sofrimento é opcional
.